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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Fundamentos Filosóficos e Questão de Método nas Ciências Sociais DR. JOSÉ PAULO NETTO

Unidade 3 – A Teoria Social de Marx e a Categoria da Totalidade
Dia: 20/05/2005 – Período Manhã

Nosso objetivo hoje não é discutir as idéias programáticas de Marx, Durkheim e Weber. Nosso objetivo, mesmo que de caráter provisório, é sinalizar como estes pensadores tratavam o seu objeto, como estes pensadores se relacionavam com o seu objeto.
Em Marx e Lukács, (a análise da ordem burguesa), nós vamos interessar em abstrair, como eles tratavam o objeto. Para isso, a primeira observação que tenho feito, da concepção teórica de Marx, mais exatamente – qual a natureza da obra de Marx, para que a gente possa clarificar qual a concepção de MÉTODO.
Como é notório, em torno da obra de Marx, a caracterização da sua apreciação, já se passaram oceanos... O pensamento contemporâneo projeta sobre Marx uma divisão social e intelectual do trabalho acadêmico, que ora o torna um sociólogo, um economista, um historiador, um filósofo. Ou seja, projeta sobre Marx, conforme o espaço que o analista ocupa na divisão contemporânea do trabalho acadêmico. Projeta sobre Marx os recortes das ciências sociais contemporânea. No departamento de filosofia, estuda-se Marx filósofo, no departamento de sociologia, estuda-se o Marx sociólogo e assim sucessivamente. Nós estamos convencidos que esta leitura é como um matadouro de bois, denominado de açougue onde Marx é esquartejado pelos especialistas – cada um cuida de um pedaço; sobretudo é uma projeção anacrônica de uma divisão das ciências sociais que era estranha ao tempo de Marx.
A tradição comunista por sua vez, dentro da obra de Marx, apresenta uma constituição de dois blocos de saber:
1– elaboração de caráter ontológico do materialismo dialético;
2– elaboração que estende esses princípios ontológicos de análise da sociedade, chamado de materialismo histórico.
Estou rememorando aqui apenas duas vias de acesso mais comuns, eu diria mais usuais no tratamento da obra marxiana. Nós aqui vamos propor uma leitura diferente. Vamos propor uma interpretação só. Vamos conceber a obra de Marx, que como vimos, se realiza ao longo de 4 décadas de trabalho intelectual, mencionado aqui do período dos escritos de 1841, da sua dissertação até a sua morte em 1883. Ao longo destas 4 décadas, o que Marx tem como objetivo é a construção de uma teoria social. Marx elabora uma teoria social, ela tem objeto claro. Embora na obra marxiana nós encontremos umas poucas exposições sobre a sociedade do futuro, sobre economia – são muito poucas páginas, não passaram de uma centena sobre milhares de páginas. Embora, tenhamos também uma série de investigações sobre formas sociais pré-burguesas, pré-capitalistas, não há dúvida nenhuma, como examinador atento da obra de Marx, que a esfinge que desafiou este cidadão foi a ordem burguesa. O enigma de Marx, foi compreender a sociedade burguesa, a sociedade capitalista. Este é o objeto da obra dele, independentemente de nós, os seus cuidados com formas sociais, independentemente das suas projeções voltadas para o futuro. Nesse sentido, é uma monumental tolice dizer que Marx é um teórico do comunismo. Marx é um teórico do capitalismo – o objeto de trabalho de Marx foi a ordem do capital. Nessa teoria social de Marx, tem um objeto. Qual é? É compreender a ordem burguesa. É claro que ele tem um objetivo. Aliás, é um pensador da modernidade, assim como Durkheim , assim como Weber, é um filho da modernidade, por isso, a nossa discussão sobre modernidade e pós-modernidade.
Essa teoria social, é uma teoria social tipicamente moderna. Ela não está voltada para o conhecimento científico. Ela está voltada para fornecer um quadro de referência para ação revolucionária. Vejam, há para Marx uma clara vocação de reflexão para a intervenção e aqui eu quero dar uma parada nesta altura do campeonato.
Nós vamos ver que esses dois traços tratados são específicos de Marx. Isso aqui é próprio da teoria social da modernidade. Vejamos – que o enigma de Durkheim também foi compreender o que ele chamava de sociedade moderna, o nome que ele dá a sociedade burguesa. Mas também em Durkheim há uma claríssima preocupação com a intervenção social, uma prática social. O mesmo vale para Weber. O que vai distinguir esses homens, não são os seus objetos, os seus objetivos – será a forma como estes objetos serão tratados e a forma como estes objetivos serão propostos.
Durkheim é um claro pensador da ordem, o papel central de Durkheim é compreender os mecanismos e os dispositivos que passam a assegurar a coesão, a manutenção e a reprodução da ordem burguesa. Como pensador da ordem, ele vai elaborar um quadro de referência para ação, para a intervenção prática no sentido de assegurar essa estrutura.
Nós estamos completamente nas antípodas de Durkheim quando tratamos de Marx. Marx é um pensador que não está preocupado com o equilíbrio, com a harmonia ou com a coesão, pelo contrário, ele está preocupado em entender os reais mecanismos efetivos que desagregam, erodem essa sociedade para fazer refletir sobre ele a idéia da ação revolucionária.
O que é importante sinalizar é que se o modo pelo qual esses autores tratam o seu objeto é distinto, se a intencionalidade com que o tratam é radicalmente oposta, nem por isso deixa de haver entre eles um denominador comum que os identifica como teóricos da modernidade.
Uma observação: essa vai dirigida especialmente para os teóricos sociais, assistentes sociais e educadores – na bibliografia de serviço social e da pedagogia - salvo honrosas exceções, se contam nos dedos de uma só mão – que há uma diferença fundamental entre a tradição marxista e a tradição positivista. Na tradição marxista, se valorizam as relações entre a teoria e a prática, enquanto na tradição positivista há uma ruptura entre essas duas instâncias. Isso é uma asnice completa. Tanto na teoria marxista como teoria positivista tem uma clara preocupação interventiva, o problema está na maneira radicalmente distinta como compreendem as relações entre teoria e prática, mas não a ausência atribuída à teoria positivista de vinculações entre estas duas instâncias. Ponhamos uma pá de cal em cima disso, supor que a teoria positivista não vincula teoria e prática – vincula sim – o problema está na natureza desta vinculação.
Feitas estas observações, retornemos:
Marx elabora ao longo de sua vida, num processo bastante acidentado, uma teoria social. O objeto dessa teoria: a ordem burguesa. O Objetivo: fornecer para a ação revolucionária um quadro de referência. Isso se dá nos escritos de Marx, lembrando a vocês aquele discurso bibliográfico que já fiz em exposições anteriores: 1843, Marx escreve os Manuscritos, está saindo de casa, indo para a França..., ali estão os clássicos da teoria política e se defronta com eles. Vai ali buscar a análise das relações do Estado e sociedade civil na filosofia do direito, que Hegel diz lá que a sociedade civil é o reino, isso é literal nas palavras de Hegel, “ é o reino da miséria física e moral”. É o espaço onde cada um vai em busca dos atendimentos de seus interesses particulares e individuais. O que era para Adam Smith a solução: “ uma mão invisível que organiza essas demandas individuais na colimação dos incomuns” – é um mito que Hegel não aceita.
Hegel dirá: “o princípio da racionalidade está na ação... o princípio da racionalidade é cortado pelo Estado. É o Estado que produz na sociedade civil o princípio da racionalidade, o princípio da universalidade – de que carecem os atores que estão na arena da sociedade civil. Trocando em miúdos: para Hegel, o princípio da universalidade supera a miséria física e moral da sociedade que é representada pelo Estado. Marx está vendo isso sob a forte influência de Feuerbach, que já acusara Hegel na sua obra de 1844 – A Essência do Cristianismo de promover uma inversão mistificadora entre criador e criatura. Feuerbach, um materialista diz – “ não são os deuses que criam os homens, são os homens que criam os deuses”. Hegel, na fenomenologia do conjunto de sua obra, incorpora essa mistificação – o espírito põe a natureza e a história. Em Feuerbach isso não é verdade – é a natureza e a história que põe o espírito. Em Hegel, há uma inversão de história, o que é sujeito aparece como predicado, o que é predicado aparece como sujeito.
Marx em 1843 – fortemente influenciado por Hegel e por Feuerbach ao fazer a leitura da teoria política de Hegel diz: “ há aqui a mesma inversão apontada por Feurbach. Hegel quer explicar a sociedade civil pelo Estado. Não é verdade isso – é a sociedade civil que permite compreender o Estado. O Estado que Hegel apresenta como universalidade, é uma universalidade alienada. O Estado não expressa a universalidade dos interesses, mas apenas alguns interesses que pretende apresentá-los como universais. É na sociedade civil que eu posso apreender a natureza do Estado. Mas, ele se comporta como um sujeito inerte, porque ele não tem condições de fazer a análise da sociedade civil. Aqui ele se põe um problema que ele não sabe como resolver. Por que? Porque ele carece de instrumentos, ele carece de chaves heurísticas, ele carece de categorias que serão capazes de desvendar para ele a dinâmica da sociedade civil. Vamos ver se nós entendemos:
Contrapondo-se a Hegel, Marx afirma: “ eu só posso compreender o Estado se eu compreender a sociedade civil, e não o contrário”. Mas ele chega aí e pára. Por que? Porque ele não tem instrumentos para compreender a sociedade civil.
Vamos lembrar o que esse cara tinha estudado, tinha se formado filósofo, e sobre isso nós conversamos sobre isso aqui, lembram? Quando ele conhece o operário, quando ele conhece Engels e, sobretudo, quando ele conhece a economia política. É aí que ele vai encontrar as armas pelas quais ele poderá compreender a sociedade civil. Fazendo a crítica da economia política, ele dará curso ao seu projeto original – eu só posso compreender o Estado se compreender a sociedade civil. Para compreender a sociedade civil, eu tenho que antes de mais nada, saber como ela funciona.
Tudo aquilo que nós descrevemos aqui: analista dos alemães, sua associação a Engels, a participação na Liga dos Comunistas, a constituição do Manisfesto Comunista, o livro anterior contra Proudhon – A Miséria da Filosofia – os anos da Revolução 1848-49, o exílio na Inglaterra, o estudo da economia política – cerca de 15 anos aproximadamente – Marx vai estudar profundamente. Ao mesmo tempo em que analisa como os instrumentos heurísticos que o seu estudo de economia política há com sua contemporaneidade – ele está lá na Inglaterra, centro do capitalismo mundial, onde a revolução industrial já começa a transitar para a segunda etapa. Está lá no laboratório da vanguarda do mundo e aqui ele vai escrever aqueles Manuscritos que ficaram inéditos até 39-41 – Os Elementos Fundamentais para a Crítica da Economia Política – como eu mencionei aqui- constituirão o embrião de O Capital que vai ser publicado 10 anos depois. Ora, é neste período aqui, 15 anos aproximadamente de investigação, de pesquisa, de estudo. Mas atenção! De intervenção política e ação pública, de organização de instrumentos revolucionários! Nestes 15 anos que Marx vai alcançar o patamar teórico-metodológico que lhe permitirá escrever O Capital.
Trata-se, portanto, de um longo período de maturação, ao fim do qual, eu vou chegar, anotem – nesses os Grundrisses são o ponto de chegada. – 15 anos depois – eu só posso compreender o Estado se compreender a sociedade civil – agora ele tem condições de encetar o seu estudo sobre a sociedade civil, e por isso, isso também é um ponto de partida.
Notem: eu quero enfatizar nisso: Marx não ficou matutando: como é que eu vou estudar a sociedade civil? Ele não ficou 15 anos num laboratório de uma biblioteca quebrando a cabeça pensando: como é que vou apreender a sociedade civil? Não. Ele durante 15 anos estudou, escreveu, produziu durante 15 anos ele mexeu nesse objeto, se é possível entender! Só depois de 15 anos essa investigação deu frutos; livros, panfletos, intervenções públicas e revolucionárias – só depois ele chega aqui – agora eu posso estudar o meu objeto.
Não é por acaso que na abertura desses Manuscritos ele põe a questão central na chamada Introdução Geral de 1857 – ele põe a questão do MÉTODO. É só ali que ele vai escrever um texto com o seguinte título: Método da Economia Política. Portanto, notem, a elaboração metodológica de Marx, não precede a sua investigação, ela resulta da sua investigação. Não se trata, pois, de “à priori” do sujeito que pesquisa para decifrar o objeto pesquisado. Não. Antes resulta das inúmeras e intensivas aproximações de análises que o sujeito realiza em face desse objeto.
Quando eu digo aqui que a nossa preocupação é pensar o método de Marx, o que nós vamos valorizar é isso aqui. Não é como Marx chegou aqui. Mas à que ele chegou. Eu só posso entender a que Marx chegou se eu tiver clareza ao mesmo tempo de que ele chega às suas formulações metodológicas ao mesmo tempo em que precisa ou compreende o objeto.
E aqui cabe um pequeno discurso que é da maior importância: vocês estão vivendo num tempo, que faz parte da boa “moda” acadêmica – “ os paradigmas teóricos da modernidade estão colapsados, os paradigmas da ciência moderna ou o paradigma da modernidade” – quero lhes lembrar que a noção de paradigma para pensar a elaboração teórico-metodológica, se deve a Tomas Kuhn – que no marco dos debates que sucedem a partir de 1945, da chamada – nova filosofia da física – este pensador, que é um sociólogo que se dedicou a pensar as transformações. Naquilo que, sobretudo a comunidade científica parte desse debate, ele, em 1969, escreveu um texto que foi publicado no Brasil em 1972, sob o título de “A Estrutura das Revoluções Científicas” – onde ele generaliza e divulga o conceito de paradigmas. Pois bem, este texto está editado aqui no Brasil pela editora Perspectiva, aqui em São Paulo. Divulga o conceito de paradigma e toma o cuidado de dizer: este conceito não vale para as ciências sociais e humanas, estas ciências, diz ele, são pré-paradigmáticas. Quero insistir nesta Primeira anotação.
Segunda anotação - um autor que nada tem a ver – Jurgen Habermas – sua obra é considerada mais madura – “Teoria da Ação Comunicativa”, cuja 1ª edição em alemão é de 1981, vocês vão encontrar numa nota de pé de página a seguinte anotação: “ o conceito de paradigma só pode ser transladado ao âmbito das ciências sociais com muito cuidado e com muita reserva”.
Por que pensadores tão distintos, têm esse cuidado que nós não encontramos hoje entre os cientistas sociais? Porque não existe um paradigma científico nas ciências sociais. Não existe um. Não existe o paradigma científico nas ciências sociais.
Vocês vão ver isso agora. O que Marx compreende como teoria, não tem nada a ver como Durkheim compreende como teoria, pois o que para Marx é teoria, para Durkheim é metafísica. A concepção de método de Marx não tem nada a ver com a concepção durkheimiana e menos ainda com a weberiana. Portanto, cuidado com a similitude dos conceitos. Quando Marx está falando de teoria, ele está se referindo a algo que não tem nada a ver com aquilo que Durkheim chamará de teoria. Isso é diferente na física, na química, na biologia...
Na verdade, compreender método em Marx é ter clareza, antes de mais nada, do que Marx chama de teoria. Se vocês verem algum metido com aquele papelucho dizendo que é a teoria de Marx, o dia em que nós encontrarmos ali um conjunto de textos que me parece como obrigatório para acompanhar esse curso....não essa bibliografia que tem aqui na PUC – vocês tem aqui 3 ou 4 textos de Marx – para vocês cotejarem se a minha interpretação tem fundamento ou não, na atualidade.
Para Marx, teoria, isso vale para a teoria social é a re-produção ideal do movimento real do objeto. Isso eu quero enfatizar o momento ativo. Teoria se dá, antes de tudo, no mundo das idéias. A re-produção ideal pelo sujeito que pesquisa do movimento do objeto. Trata-se de no mundo das idéias re-produzir, re-criar aquilo que de fato ocorre com o objeto. O sujeito que pesquisa não é uma folha em branco, não é um espelho que vai refletir aquilo que está ali no objeto. Não. Essa reflexão implica um papel ativo, criador, intenso do sujeito. O sujeito se empenha, num confronto com o objeto. Ele se empenha num confronto com o objeto porque o movimento real do objeto não é auto-evidente. O movimento real do objeto não é auto-evidente – torná-lo conhecido é um intenso investimento – criativo, produtivo do sujeito que pesquisa.
Qual é a hipótese que está por trás dessa formulação que expressa o pensamento marxista? Marx escreveu – se a aparência dos fenômenos expressasse a sua essência, toda a ciência seria supérflua. Toda ciência seria inútil.
Se olhando as relações e as interações múltiplas na sua aparência que é a forma pela qual ela se dá para mim; se a aparência dos fenômenos coincidisse com a sua essência; se a aparência dos fenômenos fosse idêntica à sua dinâmica interna, à sua estrutura íntima; toda a ciência seria desnecessária.
Se observando essa sociedade, tal como ela se mostra de forma imediata, na sua aparência, se eu tivesse conhecimento da sua verdade, porque pesquisar? Aqui subjaz a idéia de que todo conhecimento começa pela aparência. A aparência não é uma casca, um invólucro descartável, sem importância. Não. Ela tem que ser considerada. É a forma de emergência dos processos. Os processos quando se nos mostram, se revelam pela sua aparência – esse é o ponto de partida do conhecimento.
Mas a aparência dos fenômenos não nos dá a sua essência. Não nos dá o seu movimento íntimo. Por isso é muito legal quando a gente observa que hoje as ciência sociais “ olham”. O “olhar” antropológico e tantos outros olhares, mas enquanto olhar não vai apreender nada.
Por que Marx descreve as aparências? A aparência é importante, ela não é algo descartável, ela é o ponto de partida do conhecimento. Ou seja, para Marx, o sujeito tem que re-produzir idealmente aquilo que está lá no objeto. Teoria é, portanto, a re-produção pelo sujeito do movimento do objeto.
Esse é o problema que está lá em O Capital. O Capital não é uma interpretação de Marx sobre o capitalismo. Não é uma interpretação. O capital, com todas as dificuldades que nós mencionamos na sua elaboração., na sua publicação, não é o que Marx pensa do capitalismo. É o movimento do Capital tornado consciente. Quando eu estou lendo O Capital, eu não estou vendo o que Marx está falando sobre o capital. O que eu estou vendo é o próprio movimento do capital que vai se revelando, que vai se mostrando.
Mas aí alguém pode pensar: mas caramba, como é que eu vou saber se esse movimento é verdadeiro? Qual é o critério que eu tenho para saber se aquelas formulações que estão lá em O Capital são mesmo uma re-produção adequada, correta, justa do movimento do objeto?
Nós temos aqui o caráter, um traço que define a teoria social. Trata-se de uma teoria, como impostação de uma perspectiva ontológica. Ela se detém ao modo de ser da realidade. E o modo de ser da realidade social é o capital, a sociedade burguesa. São seus processos, suas interações, seus conflitos, suas contradições, seus antagonismos.
Como é que eu posso saber que aquilo que Marx fala é verdade? Só posso saber se o que está lá é verdade se eu saber se aquela re-produção é o que se passa efetivamente com o objeto. Marx não está aqui, nesse movimento do capitalismo. Esse movimento do capital é desenvolvimento de forças produtivas. É muito engraçado! Marx está superado, mas estão falando na revolução micro-eletrônica. Quando eu estou lendo O Capital, eu vejo o desenvolvimento capitalista necessariamente polarizador de riqueza social e pauperismo. A lei geral da acumulação capitalista implica uma produção crescente de riquezas sociais num pólo e de outro pólo, uma produção crescente de pauperismo. Mas está todo mundo preocupado com a “ nova questão social”. Até o FMI está preocupado em distribuir riquezas, renda – OH! Como Marx está superado!!! O novo contrato social, a nova pobreza – nova para quem cara pálida? Nova para quem não leu o capítulo 23, volume II, Tomo I – é só para essa gente que é nova! E aí ficam inventando coisas. Essa exclusão social, a inclusão, a inclusão digital, sexual, social, fotográfica, não é? Bonito isso!! Dá muito dinheiro aos técnicos que desenvolvem projetos que chegam a enganar mestrandos e doutorandos; sobretudo os ignorantes.
O que é que está lá no movimento do capital, re-produzido idealmente: que a crise não é uma doença. Não é uma coisa que acontece de vez em quando. A crise é um elemento constitutivo da ordem do capital. Não existe desenvolvimento do capital sem crise. O capital é crise. Bom, a economia burguesa suprimiu esse negócio de crise. Há sempre um equilíbrio perfeito entre demanda e oferta, mas de vez em quando dá uns pequenos desajustes. Entretanto, há recessão, inflação, estagnação – isso porque Marx está superado!
O que interessa aqui é a essencialidade desse processo. Marx diz, o desenvolvimento do capitalismo supõe uma hipertrofia do capital constante e uma atrofia do capital vivo. E nessa ordem social, a redução da demanda de trabalho vivo: numa ordem desregulada, mas racionalmente regulada, significaria cada vez que um de nós trabalharia menos e teria o tempo do seu livre desenvolvimento. Isso para a nossa sociedade gera um exército industrial de reserva. OH! Como Marx está superado! Mas qual é mesmo o problema da nossa sociedade? É o desemprego, não é?
Notem: o critério de verdade não é a prática. É a prática sócio-histórica. Quem quiser encontrar critério de verdade na sua prática singular, individual vai quebrar a cara. Nós podemos apontar exemplos de grandes empresários capitalistas que jamais viveram uma crise. Não é numa trajetória singular que você vai detectar isso, é a prática sócio-histórica. É a concepção ontológica de história, a adequação entre uma representação ideal e o seu objeto real.
Teoria para Marx , é portanto, a re-produção do mundo ideal do sujeito, tanto individual ou coletivo da dinâmica real do movimento efetivo do objeto analisado. Como fazer isso? Através de um método diferente. Eu quero sinalizar que a teoria para Marx é algo que o sujeito apanha o objeto. É antes, a extração pelo sujeito daquilo que é próprio/específico do objeto. Se perguntar para Marx, qual o seu ideal epistemológico? Ele diria: a máxima fidelidade do sujeito ao objeto.
Se trata de re-produzir idealmente, ou seja, o sujeito se apropriar intelectivamente do movimento do objeto real, a máxima fidelidade desse sujeito a esse movimento é a expressão da verdade.
Isso significa que o sujeito deve ser fiel ao objeto, mas isso não significa nenhuma subalternidade do sujeito. Pelo contrário, esse sujeito aqui no processo do conhecimento tem que ser um sujeito profundamente ativo. A recepção por ele do movimento do objeto não é uma passividade como se fosse um espaço onde o objeto imprime as suas características. Não. Ele tem que desentranhar do objeto essas características.
Por isso, a importância fundamental da preparação para a produção teórica. Esse sujeito tem que ser antes de tudo um sujeito criativo. Conhecimento teórico demanda fantasia, demanda imaginação, vocês acham que a imaginação é requisito apenas do artista? O teórico tem que ter imaginação. Imaginação para estabelecer relações que não estão dadas imediatamente. Para buscar conexões que não têm visibilidade imediata. Pesquisador ignorante tem como resultado pesquisa pobre. Todo grande teórico social é culto – a palavra é essa mesmo. Não é erudito, é culto.
Por exemplo: Numa pesquisa social, qualquer que seja a sua perspectiva teórica, qualquer que seja ela, não posso abrir mão de pesquisar os clássicos, não posso abrir mão de pesquisar Marx, Durkheim e Weber. Isso eu não tenho que ser marxista, durkheimiano ou weberiano – seja o que você quiser, mas se não conhecer esses autores, você não terá condições de compreender a ordem social contemporânea. É claro que se você só conhecer algum, você está num mato sem cachorro. O que morreu mais recentemente foi Weber. Estamos há 95 anos de sua morte, pois ele morreu em 1920.
Eu já disse aqui a público. Fico fascinado quando vou para a banca e ter lá, com a arrogância própria dos jovens doutores, doutrinando sobre a nova pobreza. E vai lá ver a bibliografia dele, ver a história dele, ele jamais leu sobre a lei geral da acumulação capitalista. Então ele quer falar daquilo que os autores falaram nos anos 40 do século XIX, e sabe onde surgiu a expressão de nova pobreza? Não é com o Sr. Donzelot, não é com os novos teóricos franceses . Ela surgiu com os pensadores europeus na década de 30 a 40 de século XIX, que estavam olhando o pauperismo ocasionado pela indústria – isso é uma pobreza nova.
Toda vez que o universo categorial do pesquisador é pobre – ele trata de inventar categorias ao invés de extraí-las. Eu estou falando isso aqui a propósito de Marx, mas isso não vale só para Marx não teóricos sociais da modernidade – Marx, Durkheim e Weber – eles são instrumentos analíticos para qualquer pesquisador. Não importa a condição deste pesquisador do ponto de vista teórico-metodológico ou ideológico. O pesquisador tem que ser culto. Ninguém nasce pesquisador, ninguém nasce teórico. Há que se formar pesquisador. Há que se formar teórico. Pesquisador se forma na prática da pesquisa. Portanto, mestrado e doutorado são absolutamente fundamentais para o pesquisador. È neste espaço, sobretudo que você adquire instrumentos e técnicas. Mas atenção!! Um pesquisador que lê técnica de pesquisa, de recolha, de tipologização, de classificação de dados, que trate bem as fontes, que seja capaz de discernir a documentação digna de crédito de documentação secundária. Isso não forma pesquisador. Tem um substrato necessário - o pesquisador tem que ser culto. Ele tem que dominar algo além do seu campo de intervenção teórica, ou então, a pesquisa tende a se tornar o campo da idiotia especializada – o que é cada vez mais hoje na formação pós-graduada.
Esse ritualismo ( mestrado/doutorado), é importante do ponto de vista institucional, não há que desvalorizá-lo. Mas há que entender que qualquer que seja o pesquisador ele tem que participar da herança cultural. No caso de Marx, é um imperativo. Este sujeito (o pesquisador) não é uma página em branco aberta à recepção das características do objeto. Ele tem claramente de decifrar, desmontar, desconstruir, reconstruir, construir esse objeto. Marx, além de ateu, era materialista no sentido de que nada que passa aqui, do ponto de vista teórico, que não tenha se passado ou esteja se passando ali. Por isso, teoria – re-produz, re-cria. Teoria é igual a fé – ela não remove montanhas. Teoria é re-produção ideal. Isso vale para Marx. Se formos discutir teoria para Durkheim é inteiramente diferente e para Weber mais ainda.
Para Marx, teoria é re-produção ideal do movimento real do objeto. Na interpretação de O Capital, Marx não criou o objeto não. O objeto é real igual a ordem burguesa. Ele quer saber como é que se articula essa ordem burguesa. Ele vai saber através do movimento da ordem do capital. Notem, Marx dirá:
“ O método é investigação e exposição. Investigação – o que é que a gente investiga? O que é que a gente pesquisa? O que é que a gente procura? Por que?
Primeiro lugar porque nós só investigamos, analisamos, só estudamos, não usarei aqui o verbo “ olhar” naturalmente, em três situações:
1ª Situação: quando em face de um objeto qualquer, não há massa crítica, ou seja, não há estoque de conhecimento. Fenômeno raro, mas ocorrente. Ou seja, põe-se na vida social sobre o qual o estoque de conhecimento, a massa crítica é zero. Exemplo: pensem na abertura dos anos 80, toda a discussão sobre o retro vírus, os quais, sobretudo o HIV na sua enorme variedade. Claro que havia um back ground da biologia, que permitia dar passos na direção de identificação do HIV – mas ali se pôs um objeto novo. A massa crítica, o estoque crítico permitia avançar para aquele conhecimento, mas só avançar. Não dava para inferir perspectivas, isso é um caso típico.
Quando eu pesquiso? Quando se parte de um objeto que a massa crítica é nula ou residual.
2ª Situação: Quando a massa crítica é insuficiente. Quando o estoque de conhecimento não dá conta da efetividade do objeto. Diria um caso mais freqüente, até porque esse objeto não é um objeto que está aqui na minha cuca. Não é um objeto que eu recorto. É um objeto real, efetivo. Como aparece mais ou menos tranqüilo, para retomar uma formulação célebre:
“Todo o mundo é composto de mudanças, adquirindo sempre novas qualidades”.
Evidente. Mesmo aquele objeto já estudado, se ele existe, ele sempre está adquirindo novas qualidades – o que demanda aprofundamento, a continuidade na construção da massa crítica. Nenhum conhecimento esgota o objeto que está em mutação, transformação.
Pergunta: Eu pago um café para quem souber, se me dizer, de onde foi extraída a frase: “Todo o mundo é composto de mudanças, adquirindo sempre novas qualidades”.
Resposta de alguém da sala: Lukács?
Zé Paulo: Perdeu o café – lamento informar. Essa frase foi tirada de um texto de Camões, no século XVI, os dois primeiros versos do 1º quarteto, soneto 182.
3ª Situação: Insuficiência com caráter mistificador da massa crítica. A massa crítica existente não só é insuficiente como ela não revela, não dá conta dos traços constitutivos, efetivos do objeto. Eu tenho uma massa crítica sobre : menor não pode falar, né? Criança de rua – enorme massa crítica. A cada minuto temos aí 33 dissertações e 44 teses – imensa massa crítica, mas ela não satisfaz.
Vocês conhecem qualquer outra possibilidade que legitime a pesquisa para a produção de conhecimento que não estas três situações?
Desculpem, mas não conhecem.
Então porque vocês estão pesquisando no mestrado ou no doutorado? È por uma dessas três condições? Pensar não faz mal. Isso dói, mas é bom!
Vamos começar a desmontar essa academia. Qual é a ideologia da academia? Na produção hoje, boa parte, sobretudo nas áreas sociais, implica que o aluno para receber o diploma faça o trabalho de conclusão de curso ou monografia. Ai o aluno escreve lá suas 60/80 pagininhas e seu orientador diz: isso aqui é produção de conhecimento! 100% dos TCC´s de graduação inventam a pólvora, descobrem a América, recriam a bússola, mas para isso, mesmo as monografias são necessárias. Mostra ao jovem que está concluindo a graduação, minimamente, aquilo que aprendeu. Tem que ser exigido, tem que ser estimulado – agora não vem dizer que aquilo que ele fez é produção de conhecimento inédita.
Saltemos para o mestrado. 99% das dissertações de mestrado são a descoberta da América, a utilização da bússola. A gente vai para banca e esta por unanimidade diz: produziu conhecimento. Não é verdade. É por isso que 99% das dissertações de mestrado vão para a “vala comum” do nada. Não estou dizendo que não são úteis estes trâmites do pesquisador. Isso faz parte da formação. Ninguém passa impunemente por uma dissertação de mestrado. Você aprende a tratar uma bibliografia, aprende a tratar fonte.
Teses de doutorado, hoje 200 páginas, já uma alentada tese, eu diria que 90% delas, descobrem a América e 10% obtém conhecimento novo. No entanto, é absolutamente fundamental fazer o TCC, absolutamente fundamental passar pela experiência da dissertação de mestrado e absolutamente fundamental passar pela experiência do doutorado. Mas, não vamos confundir produção acadêmica com produção de conhecimento. Não confundam - produção acadêmica pode ser produção de conhecimento, em geral não é. E por isso ela não tem valor? Ela tem valor sim. Por que? Porque ela prepara aqueles que em princípio vão produzir conhecimento. Conhecimento é produzido hoje na universidade. É na universidade que estão os laboratórios de pesquisas, esse conhecimento teórico, formal sistemático. Agora, por favor, não com essa imensa massa de demagogia que é pegar qualquer babaquice e dizer que é produção de conhecimento. É preparação de pesquisador e isso é importante, não é algo desprezível.
Aqui essas três condições da Investigação são condições para a produção de conhecimento e qual que é o princípio de cada uma delas ou de todas elas: é o conhecimento da massa crítica anterior. Eu só posso avaliar se uma massa crítica existente suficiente ou insuficiente, adequada ou inadequada se eu a conheço. Só posso legitimar uma pesquisa no sentido de produção do conhecimento se eu tenho controle da massa crítica que incide naquele campo. O que é que isso significa? Isso significa uma longa, uma larga preparação do pesquisador, que não se faz em dois anos de mestrado e 4 anos do doutorado. Isso é investimento de pesquisa ao longo de sua existência.
É porque a idéia de pesquisa banalizou-se de tal modo no Brasil, se barateou de tal maneira, que tudo é pesquisa. Como hoje o essencial da pesquisa, isso não é só no Brasil que se dá no marco institucional – as pesquisas tendem a ser cada vez mais mercadológicas, acaba-se adequando os critérios de produção científica aos critérios de produção mercadológica. Não há como escapar da vida institucional. Nenhum de vocês vai escapar. Eu faço parte dela, o que a gente não pode é confundir essas coisas: transformar uma necessidade em uma virtude.
Marx, que não tava ligado nisso, não tinha bolsa CNPQ e nem demanda social CAPES, distinguia claramente, do ponto de vista formal, método de investigação de método de exposição. Dizia ele: Método de Investigação é um conjunto de processos de atividades pelos quais o sujeito se apropria do objeto idealmente, é torná-lo seu idealmente, é apreendê-lo idealmente, ser capaz de: dissecando-o, desconstruindo-o, analisando-o, reconstruindo-o, sintetizando-o, se apreender o movimento desse objeto.
O Método da Exposição é formalmente o inverso do método da investigação. Do ponto de vista formal, os procedimentos expositivos são o inverso dos procedimentos analíticos – olha aqui o paradoxo: o que Marx está dizendo é o seguinte: quando eu começo a investigar o que eu tenho na mão? Perguntas.
O investigador começa a investigar quando ele tem perguntas, não é isso? Ou quando a massa crítica é muito residual ou quando a massa crítica não dá conta do movimento contemporâneo do objeto ou quando a massa crítica mistifica o movimento contemporâneo do objeto. Então ele tem perguntas. A investigação parte de perguntas, parte do que eu não sei para aquilo que eu quero saber.
E de onde parte a exposição?
A exposição parte da resposta que você deu àquela pergunta – agora vocês vão ver a distância que nós temos das proposições de Marx. Quando eu começo a escrever minha tese, quando eu começo a escrever a minha dissertação, quando eu começo a escrever o meu artigo teórico – eu já tenho aqui na minha cabeça a resposta. O trânsito formal de construir a minha tese, a minha dissertação e o meu artigo, a minha intervenção, a minha comunicação – está subordinado a resposta que eu - investigador já tenho, que eu obtive depois que formulei minhas perguntas e pesquisei. Não é isso? A gente sabe que não é assim! Eu sei que não é assim com os meus orientandos. O cara vem para o mestrado ou doutorado, vai lá para as primeiras orientações, recortar o seu objeto – eu dou-lhe uma imensa bibliografia. O cara lê e me volta com a estrutura dos capítulos. Aí ele escreve o primeiro capítulo, eu leio, ando, sento com ele e sugiro modificações e sempre digo: “agora você se preocupa com o segundo capítulo e põe esse lá na gaveta, está ótimo”. Assim eu faço com o segundo capítulo e as coisas se repetem. Aí ele chega lá no quarto capítulo e já doido para escrever as considerações finais, ele diz: já posso finalizar? Aí eu digo: “ Não. Agora você vai pegar o primeiro capítulo e vai reescrever tudo. O cara quer me dar um tiro. Vai escrever porque ali está a sua investigação. A lógica da sua exposição não pode ser a lógica da sua investigação. Mas, como funciona com a gente: as dissertações, as teses, são as lógicas da investigação.
Observaram que quase sempre nós descrevemos os nossos procedimentos. Para Marx essa coisa não funciona. Para Marx, você começa a expor quando você tem o controle dos resultados e por isso, formalmente a investigação é distinta da exposição.
Aliás, a obra de Marx é a prova cabal disso. Se vocês lerem os textos, o esqueleto de O Capital, como é a estrutura dos textos – os Grundrisses, os elementos fundamentais? Há uma introdução geral, o caminho metodológico que não vai aparecer nunca em O Capital – há um primeiro capítulo sobre dinheiro e um capítulo sobre capital? Como é que é a estrutura de O Capital? No primeiro capítulo não se discute dinheiro, se discute o fato da mercadoria ter uma unidade sintética de valor de uso e valor de troca – se discute valor. Lá a investigação, naqueles manuscritos que ele não fez para publicar – ele começa por onde? Pela aparência – como é que o valor se manifesta na aparência da vida da sociedade burguesa? Qual o valor desta calça? Qual é o valor deste gravador? Vocês dão o preço, não é?
O que permite o seu acesso a ele é o meio de troca pelo dinheiro – a forma mais aparente que sinaliza o valor – isso é só o começo.
Quando ele vai expor, ele vai começar pelo valor. Para quem quiser trabalhar na ótica marxista, isso significa que todos esses procedimentos acadêmicos pelos quais a gente entra no mestrado/doutorado – se tem um projeto, não é? E vai discutir o projeto na entrevista, a primeira coisa que perguntam é quais as categorias que você vai utilizar? Ou então, lá na qualificação, na defesa do projeto. Ora, que categorias? Se eu tivesse as categorias eu não iria investigar, eu já saberia. Quem conhece as categorias constitutivas do objeto, conhece o seu movimento. Como é que a gente funciona?
Comigo foi assim, aprendi com a Miryan Veras Baptista. Eu queria entrar no doutorado aqui e foi a defesa do projeto. E tinha aquele negócio de variável dependente, variável independente. Quais as categorias que você vai usar? Eu falei: Miryan, isso é tudo uma babaquice. Ela disse: Tudo bem, então mostra que você sabe essa babaquice. Aí eu tive que aprender a fazer projeto.
Se eu pesquisar um objeto, eu tenho que conhecer as categorias, então eu já o conheço. A não ser que eu ache categorias, que é o nome que eu vou dar a qualquer coisa para explicar o objeto. Isso na ótica positivista está absolutamente perfeito. Não nessa aqui! Conhecer aqui é extrair do objeto as suas categorias.
Pergunta: (Clarissa) Eu entendi a questão da aparência, eu entendi a questão do sujeito, mas a minha dúvida está na essência: eu não sei, nessa explicação, ou seja, como é que eu saio, ou se precisa ou não precisa de sair da aparência para a essência?
Resposta - Zé Paulo: Você não sai da aparência, você entra na aparência.
Digamos que o movimento descrito rapidamente da aparência à essência. Então como é que se faz isso? Esse é que é o nó! Mas eu ainda não falei isso. Vamos ter que ir devagar, pergunta isso no final da tarde ou semana que vem.
Eu quero ir bem devagar nisso. Está cheio de ... , parece um quadro, um painel original que foram retocando, retocando e agora a gente tem que tirar as várias camadas de tinta para ver se encontra a cor original.
Vocês todos aprenderam ou ouviram falar quando se trata de Marx, do método de Marx, das leis da dialética?
Para ajudar a entender, se vocês leram a bibliografia que recomendei, aqui não vai ter novidade nenhuma, eu só estou botando Marx em contato direto com vocês e para ter isso, leiam a bibliografia.
Como é então que vamos fazer esse caminho? E aí nós vamos encontrar uma dificuldade: não é por acaso que eu estou discutindo, para falar do método em Marx. Notem: natureza da obra marxiana – a teoria social da ordem burguesa. As discussões do método em Marx se põem de uma maneira distinta da discussão dos outros pensadores. Eu vou repetir o que já disse aqui: se eu quiser conhecer o método proposto por Durkheim, para tratar das relações sociais, eu leria As Regras do Método Sociológico, e claro que se eu puder ler além do método sociológico, a Divisão do Trabalho Social, O Suicídio, As Formas Elementares da Vida Religiosa – se eu puder ler o conjunto da obra de Durkheim, eu vou ter uma concepção muito rica da concepção metodológica de Durkheim.
Se eu quiser expressamente, de forma sintética a concepção do método de Durkheim, eu leio aquelas 150 páginas ... ou seja, há uma autonomia entre a formulação metodológica de Durkheim e a sua obra. O mesmo vai se passar com Weber. Se eu puder ler Economia e Sociedade inteiro, maravilha! Se eu quiser saber sobre o método e a metodologia em Weber, eu pego lá aquele capítulo, aliás recomendei para vocês na bibliografia – As Categorias Sociológicas Fundamentais – e tenho ali a visão que Weber propõe de método.
Se eu quiser fazer isso com Marx, eu to frito!!!!
No conjunto da obra marxiana, pouquíssimas vezes , salvo erro meu, 03 vezes Marx se deteve para discutir o método: só na Ideologia Alemã – dele e do Engels vamos encontrar umas páginas contrapondo-se a tradição filosófica pós-hegeliana, eles vão formular o seu chamado método, não são mais do que 05 a 10 páginas. Um pouquinho mais adiante, na abertura do segundo capítulo da Miséria da Filosofia, Marx faz, em cerca de 20 páginas algumas observações metodológicas. Em alguns prefácios e pós-fácios de O Capital, ele faz meras indicações que não ultrpapassam 05 a 06 páginas. Exatamente a textualidade que eu recomendei a vocês.
Por que Marx escreveu tão pouco sobre o método?
Porque ele não teve tempo? Não. Porque ele subordinava o debate metodológico à concepção teórica. Não há autonomia metodológica em Marx, não há um método e uma teoria. É por isso que eu comentei aqui, que em Marx, ao contrário de Durkheim e Weber, o traço metodológico “ aparece no trato do objeto”.
Mais exatamente a que Marx chegou, do ponto de vista teórico lá no final da década de 20?
Marx também não começou do zero. Ao longo desses 15 anos de pesquisa, quem é essa figura que vai propor em 1857/1858 uma forma muito peculiar de tratar o objeto social. E um objeto social que não é um objeto qualquer. Trata-se de um objeto que está inscrito muito determinadamente na história. Marx está tratando da sociedade, não está tratando e nem vai tratar de relações sociais. Marx está tratando da ordem burguesa. Quem é essa figura? É um fulano que é herdeiro da Ilustração – e eu já vou antecipar isso porque o mesmo vai valer para Durkheim.
Todos os teóricos sociais, herdeiros da Ilustração partem de algo que para eles está adquirido – a sociedade não é um conjunto de relações arbitrárias, caóticas, episódicas, causais, aleatórias; as relações sociais constituem um sistema – um sistema organizado. Mas, Marx não é só um herdeiro. Marx é um pensador culto. Marx dominava a herança cultural clássica e a herança cultural clássica é a tradição que vem da Polis, do século XIX. Quem lê Marx vê abundância das suas citações estéticas e literárias. Marx não faz isso para mostrar que lê. Ele não cita Homero, Dante, Shakespeare – para dizer – vejam como sou culto! É essa herança cultural que entretece as relações culturais que ele analisa.
Eu já mencionei aqui, e isso não vale só para Marx, mas para todos os grandes pensamentos, de todas as quadras históricas pequenas. O problema de Marx é o problema do tempo presente: “a minha matéria é o tempo presente dos homens presentes”. Marx quer compreender a sociedade na qual ele está inscrito, inserido, na qual ele está lutando, vivendo. Está colado à sua contemporaneidade.
Eu costumo brincar com os meus alunos da graduação chamando a atenção para uma questão: não sei se vocês já leram com atenção o Manifesto do Partido Comunista: quem lê a primeira parte, do capítulo I, onde Marx está falando do que a burguesia fez. O que está longe da descrição do capitalismo de 1848. Quando eu dizia há pouco que o grande teórico tem que ter grande imaginação, fantasia. Experimentem ler aquela primeira parte pensando os críticos, na literatura crítica. Aquele texto é absolutamente contemporâneo nosso hoje. Hoje, quando Lyotard faz sucesso ao dizer que o conhecimento virou mercadoria, está ali o Manifesto. Há cerca de 04 anos atrás eu fui numa banca lá no Rio de Janeiro, vocês sabem que Banca as vezes é um exercício de sadismo! Uma banca de doutorado, do programa do qual eu trabalho, a moça faz uma tese e me põe na Banca. Era uma tese centrada na discussão da intervenção do Assistente Social, na área da saúde, muito significativa na área do contato com portadores de HIV ( não pode falar aidético – o PT não deixa porque não é politicamente correto). Mas tinha um longo capítulo sobre o neoliberalismo, até que tinha uma análise legalzinha das políticas neoliberais no âmbito da saúde. Agora, a moça era e ela admitiu de um anti-marxismo zoológico, que eu resolvi fazer uma maldade daquelas que a gente não deve fazer. No meu peito mora um anjo e um canalha. E o anjo está sempre com um pé no meu peito e outro no canalha para não deixar o canalha botar a cabeça de fora. De vez em quando o anjo cansa e tem que trocar o pé e nesse momento o canalha escapa. E foi exatamente o momento como este. Então, eu resolvi dar uma, até porque me atingia muito pessoalmente. Eu fui para a banca, sempre sou muito respeitoso, mas no final eu não resisti a uma brincadeira. Como a moça fazia um ataque violento ao neoliberalismo, eu disse....bolei um editorial para você, um editorial da Gazeta Mercantil – que vocês sabem que é um jornal de São Paulo com uma circulação dirigida sobretudo a empresários. Eu peguei um extrato do Manifesto, exatamente onde Marx fala do papel do Estado e li para ela. Imaginem a sala toda cheia e eu disse: queria saber se você concorda com isso, pois isso bate um pouco com a sua análise do neoliberalismo. E ela respondeu: Eu concordo integralmente com isso!
Eu disse pra ela: Você acaba de concordar com as páginas 36 e 37 dessa edição do Manifesto do Partido Comunista, e eu queria saber - qual é a sua fratura com Marx?
Bom, acabou a defesa da tese e a moça me odeia e tem razão de sobra!
Por que eu estou relatando isso? Porque ela faz as discussões contemporâneas nossas hoje. Elas são contemporâneas nossas, elas não podem ser contemporâneas em 1848. Leiam o Manifesto Comunista com uma visão científica. Aquele capitalismo que Marx está descrevendo ali só se concretiza na segunda metade do século XX. Para 1848, ele é um exercício de fantasia. Mas ele é uma fantasia que está fundada na análise da realidade contemporânea, daquela realidade contemporânea.
E esse Marx – de 1843 – 1857-58 – vai se debater com a sociedade contemporânea e ao se debater com a sociedade contemporânea, depois de tê-lo feito, não é uma premissa, não é um axioma, não é um resultado da pesquisa. Eu quero insistir nisso! Marx não pesquisou durante 15 anos mantendo uma grade de como ele vai analisar a sociedade contemporânea. Ele confronta-se com ela. Analisou-a, fez inferências, extraiu ilações, generalizou, acertou, errou acertou, errou – ao longo desses 15 anos. Nós temos duas teorias do salário de Marx. Num primeiro momento – até por volta de 1847-48, Marx partiu da seguinte observação universalizante: desenvolvimento do capitalismo é desenvolvimento de pauperização das massas – expressão disso é que o salário deverá sempre estar colado ao seu piso. Na década de 50 ele sacou que não era bem isso. Desenvolver o capitalismo envolve sempre uma pauperização relativa das massas. Os fenômenos de pauperização absoluta podem não ocorrer. E é por isso que Marx vai dizer: o salário pode oscilar entre um piso mínimo e um teto máximo. Há aí um espaço e o que vai fazer com que o salário possa chegar a seu teto máximo: dois elementos: 1º - a força organizada da classe operária que pode forçar a venda da única mercadoria que dispõe por um preço mais alto. Ou diz Marx – o nível dos padrões morais civilizatórios de uma sociedade. repito nesses 15 anos, Marx pesquisou, investigou, escreveu, errou, reformulou, revisou, ampliou e quando ele chega aqui – 1857-58, que é quando ele formula a sua concepção teórica-metodológica – ele vai insistir que: ele vai formular uma idéia, segundo ao qual para compreender o seu objeto ( ordem burguesa) ele tem que partir do primado ontológico da economia. O que significa isso? Isso significa que o ponto de partida para a compreensão das relações sociais nesta ordem social é a compreensão de como os homens produziram as condições materiais da sua vida social. Nessa formulação está claríssimo que a vida social não se reduz às suas bases materiais. O ponto de partida de Marx é esse – eu só posso compreender todo e qualquer processo nesta ordem social se eu tiver uma clara noção, uma clara compreensão, um claro entendimento de como nesta ordem social os homens produzem as condições materiais da sua base social. Isso é que é o primado ontológico da Economia. Não existe aqui nenhuma teoria fatorialista, não existe aqui fatos econômicos que condicionam a vida social. Não é isso.
O que Marx está afirmando é o seguinte: Compreender o que se passa nessa sociedade, compreender a estrutura dessa sociedade civil, compreender como essa sociedade civil, nas suas relações põe um tipo determinado de Estado e portanto, relações específicas entre esta sociedade e esse Estado – isso demanda em primeiro lugar como ponto de partida compreensão de como esta sociedade produz as condições materiais de sua vida social, que nem de longe se resume ou se restringe a esta vida material. Por isso que Marx não conseguiu esgotar o seu problema de pesquisa. Isso aqui ele fez muito bem. Muito bem para o seu tempo. Hoje é preciso avançar no que ele sugeriu. Sugeriu pistas, indicações, fez afirmações à vida social, mas ele se ateve à fundação desta teoria.
Marx vai dizer o seguinte: sem a compreensão dos meios e modos pelos quais uma sociedade cria, produz as bases materiais da sua vida material, da sua vida social, esta vida social é inintelegível.
Escreveu no ensaio de abertura do seu livro célebre “ História e Consciência de Classe!” Lukács fazia uma observação da máxima importância teórico-metodológica, Lukács insistia que a categoria mais importante que articula o caráter revolucionário do pensamento de Marx é a categoria da Totalidade. Lukács insistia que aquilo que distinguia o pensamento de Marx, no conjunto da elaboração teórica do século XIX e entrada do século XX, é a pedra de toque, a pedra angular, que funda a teoria marxiana é a categoria da totalidade.
Para Marx a sociedade é uma totalidade concreta: não apenas um todo constituído por partes que explicam funcionalmente. Mas para Marx a sociedade é uma totalidade concreta de máxima complexidade. Não constituída por partes, mas constituída de totalidade, de complexidade diferenciada - para Marx a sociedade é um complexo de complexos. Não há nenhuma instância simples e redutível. Por isso a compreensão da produção material das condições da vida social implica a consideração da totalidade complexa constituída não de totalidades, mas de totalidades de menor complexidade.
Qual é a menor unidade social – a menor unidade constitutiva da sociedade. Sem dúvida é o indivíduo. Nós temos aqui uma totalidade de extrema complexidade que é a menor unidade social. Os indivíduos não estão perdidos no espaço, eles estão agregados em formas distintas de famílias. A complexidade da família é dada pelo somatório dos indivíduos que a compõe? Você determina a complexidade de 2, 3 e 4? Ou é uma outra complexidade que deriva da sua estrutura das funções, do seu lugar no conjunto desta totalidade. Mas como unidade produtiva é uma totalidade de um sistema imanente de contradições – ali se produz valor. A luta de classe passa na família? A luta de classes revela um disputa – ali o campo é claro – de um lado a classe operária e de outro lado o patronato. Mas aqui na família tem explorador e explorados? O homem que explora e a mulher que é explorada? Claro que não!! Nesta totalidade aqui não se produz valor, a luta de classes ali vai passar pelo padrão da socialização – como é que a luta de classes vai passar pelo padrão de socialização? Aqui ela começa antes da constituição da família.
Espero estar errado, mas nenhuma donzela desta sala vai se casar com o filho de Antonio Hermírio de Morais. Os espaços freqüentados por esta gente não são os espaços freqüentados por vocês. Eles estudam em outras escolas, tem áreas de convivência social que não são a de vocês. Passam férias não na colônia do SESC, vão para a Europa. É essa determinação de classe que vai fazer com que este contato se você levar a constituição da família, seja inteiramente aleatório e se houver, isso vai aparecer depois no padrão de socialização – você usa palito de dentes na mesa, não pode! E vai aparecer, sobretudo na hora de desfazer o casamento. É só olhar os processos que tem ali no Fórum de Pinheiros – isso deve fazer mais ou menos uns 05 anos e não sei como se resolveu – recomendo a leitura porque isso se tornou um instrumento público – do processo de separação do cara da TV Bandeirantes – Jhonny Saad – que se casou com uma pé rapada, que devia ser linda e burra. Quando deixou de convir a ele, vamos para o divórcio! Aí começou o problema maior: quem fica com o que? Mas isso não é problema maior. O problema maior é quem fica com a guarda dos filhos. Dêem uma olhadinha, por favor, nos anúncios de classificados do jornal, nos serviços pessoais de detetives particulares. Todos eles anunciam em primeiro lugar flagrantes, gravações e seguimentos. Para que isso? Para garantir ao homem a guarda dos filhos, é por aí que passa! Passa, sobretudo a socialização porque aqui está em jogo a propriedade. Dêem uma olhada nos processos.
Aliás, é bom vocês saberem onde é que é mesmo a sede da rede Bandeirantes? No Morumbi. E quem urbanizou o Morumbi? Ademar de Barros. E com quem é casado o velho João Saad ( pai de Jhonny) ? Com a filha de Ademar de Barros. Engraçado a gente faz uma análise de classe e não pensa nas famílias. Não sei por que? Recomendo há uns 20 anos, estudem nesta cidade, Estado, nesse país – quem casa com quem. Vocês acham que classe é um negócio? As relações das pessoas – como é que se chama a primeira mulher do quadrilheiro das Alagoas, antes dele ser quadrilheiro ( neto de Lindolfo Collor), filho de Arnon de Melo? Quem é a primeira mulher dele? Isto é análise da realidade ao invés de ficar procurando saber como é que os meninos de rua comem.
O nome dela é Lilibet Monteiro de Carvalho – sabem quem são os Monteiro de Carvalho? 38% das ações da Wolkswagen no Brasil. Vejam quem casa com quem.
Qual é a surpresa? Vocês acham que classe se resolve aonde? Nos livros de sociologia? Procurem saber quem casa com quem. Dêem uma olhada nas estirpes políticas do país. Nas figuras ilustres nesse país. Fernando Henrique Cardoso não chega à presidência da República - ele vem de uma elite militar – toda a família paterna.
Me espanta a ingenuidade dos pesquisadores. Vocês observaram como está todo mundo estudando nesse país os pobres, os “excluídos”, e o outro lado? Quem é que estuda o outro lado? Quem é que estuda a concentração bancária? É como se você estudar partes de uma relação social só de um pólo.
É uma questão central, quem estuda os movimentos sociais ainda não aprendeu. Onde é que estão os sujeitos revolucionários? Sujeitos? O sujeito se estilhaçou!!! O capital se unifica, seus representantes mundiais são reuníveis na sala 333 da PUC – cabe todos eles. Enquanto isso a classe operária está fragmentada! Como é que é isso? Não há uma relação? Ou eu só posso pensar a classe operária em relação à burguesia? Como é que é isso? Estudar pobre e miserável é a coisa mais simples aqui no Brasil. Onde é que está a burguesia? Se estuda o orçamento da família trabalhadora – se estuda o orçamento da família burguesa? Da grande família burguesa, da oligarquia financeira? Quem é essa gente? Onde é que eles moram? Eles são inincontráveis!!!!! Estão em Aspen, Miami, Guarujá, em Paris – como é que você pode estudar a sociedade e não estudar essa gente? Como é que você pode estudar a necessidade da Assistência Social se você não estudar o outro pólo? Você não acha que está faltando alguma coisa aí?
Passa na família a luta de classes, mas como esta instância não é dedutível e nem redutível à fabrica – aqui as mediações são outras! Não é a disputa pelo excedente do valor, aqui é a disputa pela socialização, pela nominação – quem é que vai dar o nome.
E na escola? A luta de classe passa na escola? Claro que passa. Agora porque tem opressor e oprimido? Professor e estudante? Explorador e explorado? Explorador dono da escola e explorado o resto? A instância aqui é pela transmissão, pela criação do conhecimento. Aqui passa pela direção social do conhecimento – é aqui que a luta de classe passa. Por que? Estas instâncias já são mediadas. Elas têm particularidades que não são dedutíveis e redutíveis ao primado ontológico da economia.
Como fica a arte? Como é que vamos explicar hoje, Shakespeare? Marx não tem explicação, não consegue explicar simplesmente. Há um desenvolvimento desigual. O desenvolvimento da arte, da filosofia e da ciência só é compreensível e decifrável a partir disso aqui ( quadro). Pois essas formas de objetivação dispõem de legalidade própria. Dispõe de sistemas de mediação que são próprios. Só para dar um exemplo: na ciência eu posso dizer – Galileu é um progresso em relação a Pitolomeu. Eu posso dizer que Proust é um progresso em relação a Shakespeare? Não posso. Nessa esfera a avaliação passa por outros canais, por outros produtos.
Vocês estão vendo que isso não tem nada a ver com marxismo, tal como ele é vendido pela massa rala e por outros varejistas. Isso aqui tem tudo a ver com o pensamento de Marx. É a partir daqui que Marx vai construir a sua teoria. E para pensar essa teoria, o que é mais essencial – o conhecimento teórico de Marx é conhecimento de concreção. Para Marx há um conhecimento estético. Há um conhecimento prático-mental. Há um conhecimento religioso. Todas essas observações só cabem para o conhecimento teórico. É fundamental no conhecimento teórico a determinação, o caráter concreto de todas as totalidades constitutivas da totalidade social.

Período da Tarde: 13:30 horas
Questão posta por alguém da turma ( não gravou)
Resposta – Zé Paulo: você num cria um modelo. Nesse sentido acho muito complicado você falar em paradigma. Você pode falar em paradigma Weberiano, não tenho dúvida disso. É legítimo falar num paradigma durkheimiano, agora falar em paradigma marxiano, eu acho muito complicado.
Pergunta da sala (Osmar – não deu para entender na gravação)
Resposta – Zé Paulo: Eu disse há pouco e é boa a sua pergunta, porque me permite explicitar a natureza da interpretação que é apresentada acerca da teoria marxiana. O que Marx pensa do capital? É a disposição do movimento do capital. Portanto, independente do que eu acordo ou não com a minha comunidade científica, os processos que ali estão ocorrendo, ou os processos que ali estão revigorados, eles vão ocorrer. É inteiramente diferente de uma abordagem dentro da ciência de forma paradigmática, ou paradigma no sentido de constructo. Aquele que só existiria na medida em que nós, na nossa relação intersubjetiva, admitíssemos.
Eu disse, qual o critério da verdade aqui? O critério da verdade é a prática sócio-histórica. Numa ótica que é a paradigmática, o critério da verdade é a concordância intersubjetiva dos membros de uma comunidade.
A verdade é uma prática de retórica – se nós convercionarmos aqui que a palavra, grosseiramente falando, denota um processo de multiplicação anômala em habitat, não existe. Se nós concordamos em tirar isso do dicionário, pode ser que alguém até morra, mas isso não é relevante, não faz parte da nossa comunidade científica. Mas o que faz o economista burguês? O economista burguês não tem, nem pode ter uma teoria da crise. Abram um compêndio de economia afinadamente ao “status quo”, não há uma palavra sobre crise. A crise só pode ser devida a três coisas: corrupção, incompetência dos gestores ou por fenômeno da natureza. A economia burguesa não pode ter uma teoria sobre a crise. Ter uma teoria sobre a crise vai refletir a contraditoriedade e irracionalidade desse quadro de produção. Não, aqui o mercado é auto-regulador. Oferta e procura vão acabar se equilibrando. As defasagens são pontuais e localizadas e quando uma empresa quebra ou é por corrupção ou má gestão.
Só que isso não é verdade. Quando vem a crise, empresas otimamente geridas quebram. Não é uma questão de administração ou má gestão. Isso é uma característica sistêmica no modo de produção capitalista. Não adianta você apagar o sol com a peneira! Mas, o que o debate da economia diz: primeiro que não há crise. Há recessão, inflação, mas não há crise.
As categorias marxianas estão fora de qualquer concepção paradigmática. Elas são categorias apreendidas pela razão, que lhes dá forma ideal das categorias constitutivas da realidade.
É que o mundo dos intelectuais, as idéias se retificam. É preciso entender, quem formula as idéias? Nós. Nós vivemos numa sociedade onde a divisão sócio-técnica do trabalho chegou a tal ponto em que os formuladores de idéias, ainda que têm necessariamente a sua vida cotidiana, eles estão muito afastados do processo real de produção material da vida social. Muito afastados. A autonomia de que aquelas instâncias e objetivações daquela totalidade de fato desfrutam, passa a ser identificada, passa a ser um ente. E tudo que se discute, se elabora, se reelabora dos processos, se trata sofisticadamente de realidade significativa da vida social, mas que não tem nenhuma vinculação com as modalidades de produção material das condições da vida social.
Isso fica perdido para a consciência, fica muito distanciado. E isso é um dado importante – uma semiologização crescente da vida social. A vida social passa a ser cada vez mais simbólica. É evidente que não há vida social sem símbolo. Se vocês quiserem podem definir o homem como um animal racional.. Mas a vida social para ser simbólica, ela supõe estrutura material. Quem é que cuida disso? Quem é que trata disso? Os intelectuais pela sua inserção sócio-ocupacional nessa complicada rede, a que expressa hoje acentuada divisão sócio-técnica do trabalho. Os intelectuais estão cada vez mais distantes de qualquer atividade de transformação efetiva da realidade. A realidade passa a ser para eles um conjunto de signos. E isso leva a essa semiologização da vida social. O Professor Baudrillard, tão querido aí nas áreas semiológicas, faz uma análise da Guerra do Golfo (1991-92), em termos de linguagem de estratégias, não importa quantas pessoas morreram, isso é um detalhe menor ante ao peso que está se passando.... do risco civilizacional. Se morreram 100 mil ou 50 mil iraquianos, isso é um detalhe, o que é importante é você compreender isso a partir do “ esquema”. Isso mostra um profundo parasitismo na nossa ordem social. Isso mesmo, a palavra que eu estou usando é parasitismo – as atividades são inteiramente parasitárias. A vinculação hoje das elaborações intelectuais com a dinâmica da vida social, qual é? Há todo um caldo de cultura que desqualifica inteiramente, não apenas o estudo da condições de produção material. Os intelectuais começam a negar a existência da realidade. Vocês conhecem um pensador bastante importante - Vattno (?) – afirma o seguinte: “a constituição da realidade é uma constituição de lingüística”. Atravessa ali a rua na frente de um carro a 80 Km/h para ver se é uma constituição lingüística. Pega o teu dinheiro, nada é mais simbólico que o dinheiro, bota no fundo de investimento que compra as ações das empresas até o dia 05 de dezembro a 60 dólares. No dia 06 de dezembro passou a valer 60 centavos de dólar. Se isso é simbólico, continua botando as suas ações por 60 doláres e vê se alguém compra.
Vocês estão observando como há um deslocamento do estudo da realidade para o estudo das chamadas representações? É claro que as representações são importantes porque elas guiam o comportamento dos sujeitos na vida. Mas qual a relação delas com a realidade, qual o vínculo que elas tem?
Não há estudos que fala em ideologia. Ninguém fala mais em ideologia. Qual a natureza dessas representações? Neste sentido, sua preocupação ontológica, do ponto de vista teórico, é cada vez mais relegada à margem da vida acadêmica. Porque o centro da vida acadêmica passa a ser uma referencialidade de natureza semiológica, no limite epistemológico.
Você abre um texto do Centro de Ciências Humanas ou Sociais – uma tese – qual é o argumento probatório do argumentador? É a citação de autores. É claro que a citação de autores é importante, mas atua referência é a textualidade ou a realidade? Como é que é isso? Como vocês encerra hoje uma discussão acadêmica? Os grandes centros hoje estão fazendo isso: professor tal, ou autor tal, e daí? Isso só tem sentido na medida em que puder armar elementos probatórios que me vinculam essas assertivas com o movimento social do real.
Vamos pensar a realidade. Dêem uma olhada na literatura da esquerda socialista, através de seus fóruns mais significativos: Encontros de ANPOCS....por exemplo a transição dos anos 80 para os anos 90. De cada 10 pesquisadores, 11 estavam estudando os movimentos sociais. Exatamente quando, toda aquela vaga derivada do processo de luta pela democracia no Brasil, batia contra a muralha do movimento. Rapidamente, os sociólogos passaram a estudar o refluxo dos Movimentos Sociais. Quando o MST fez o abril azul, todos eles ficaram fascinados. Por que? Porque a maioria deles estudavam muito, era macroscópica. Quando se tratava de relacionar com o conjunto da sociedade brasileira, só saía besteira. O estudo localizado era decentemente elaborado, era perfeito, pertinente à pesquisa elaborada, sofisticada. Agora, a possibilidade de totalizar minimamente estava cancelada, interditada. O problema de inteligência dos pesquisadores, não. A realidade exclui hoje do acadêmico o objeto de pesquisa. Ele vai ao encontro da realidade, ele vai buscar...parece que ele está fora dela. Está diretamente relacionada às estruturas sócio-ocupacional onde se insere o pesquisador.
O que nós estamos pesquisando? Qual o objeto da nossa pesquisa?
É intrigante? Impertinente? Porque vejam: há objetos que são academicamente relevantes e pertinentes. Mas eles o são do ponto de vista social? Tem coisa mais importante nesse país do que o fenômeno de massa no futebol? Não tem. O universo do futebol te mostra tudo. As torcidas organizadas são verdadeiras gangues, têm interesses comerciários que são estimulados freqüentemente pelos dirigentes dos próprios clubes. O que começou como uma forma de auto-organização do sujeito que ia para a geral, para a galera, foi incorporado, foi institucionalizado. Os caras hoje confiam na gestão dos clubes. Isso é o lado formal. A gestão desses grandes clubes nesse país, não é uma gestão com absoluta ausência de controle. Evasão fiscal enorme, lavagem de dinheiro, todas as formas de corrupção. Tem alguém estudando o futebol na academia? O que é isso? A gente podia multiplicar esses exemplos.
Qual é o critério de eleição dos nossos objetos?
A degradação de que falava o professor Florestam Fernandes, dizia que é próprio da universidade, da ditadura o que ele chamava de degradação do padrão de trabalho intelectual. A gente estava brincando aqui, mas 04 anos dá para fazer uma tese e 02 anos dá para fazer uma dissertação decente? Não dá!
Então vou contar uma historinha para vocês:
Um cara quando tinha 22 anos completos trabalhava na fabrica. Ele passou na Inglaterra 21 meses e trabalhou no escritório da fábrica todos os dias 07 horas – ele tinha a semana inteira, foi explorado durante 21 meses. Voltou para a casa e em 6 meses ele escreveu: A Situação da Classe Trabalhadeira na Inglaterra”. Ele acabou de escrever quando tinha 24 anos e fazia 25 anos no dia 28/11/1841. O livro saiu em julho, quase 06 meses antes dele fazer 25 anos. Não teve orientador e escreveu uma obra prima que é uma referência até hoje nas ciências sociais., para não falar da tradição marxista. Claro que é um texto que ele fez aos 25 anos, com vários problemas teóricos. Trabalhando 07 horas por dia, ele viveu lá 21 meses e depois ele ficou 06 meses sem trabalhar, ou se vocês quiserem 29 meses, dos quais 21 ele trabalhou 07 hora por dia. O que é que dá para entender? Que ele dispunha de talento que muitos de nós não temos, mas é só isso que explica? É isso que explica o jovem Engels ter escrito aquela obra de referência absoluta só porque ele era um gênio? Não é isso, tem outras coisas envolvidas. Quais eram as coisas que estavam envolvidas? O cara estava ligado no movimento social, o movimento operário que estava saindo da grande greve de 1842 – o cartismo. Esse cara não estava trabalhando sozinho, ele vinha na crista de um grande movimento social. Quem não tem esse pé não vai fazer nada nunca. Quando as nossas referências não são os grandes movimentos sociais – eu estou falando de movimento social – movimento social é movimento de classe social, não é movimento da associação dos manetas da mão direita do Brás. Quando você está ligado a isso, você está aonde? Está expressando interesses, visão individualista obviamente. Isso é puramente corporativo. O que faz o Engels produzir. Se vocês olharem as fontes de Engels, a Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra – ele utilizou muito pouca fonte. Usou documento de noticiário, a bibliografia de Engels é menor que a bibliografia da dissertação de vocês. E de onde é que ele tira isso? O cara está no coração mesmo de um grande movimento de classe e isso muda tudo. A referencialidade não é a citação daquele artigo que saiu a semana passada naquela revista acadêmica, daquela universidade – é o movimento do real.
Eu há 02 anos atrás tive uma discussão – um companheiro estava falando mal, criticando os últimos textos do Professor Ianni. Eu sempre fui muito envolvido nisso e amigo do Ianni, mas acho que realmente os últimos textos do Ianni eram textos que estavam realmente problemáticos. Mas a crítica do companheiro era o seguinte: o Ianni está citando jornal, está citando notícias de jornal. Eu disse pra ele, pois eu tenho pavio curto: “ Caramba! Você nunca leu Marx, não? Quais as fontes de Marx? Quais são as fontes de Engels? É a notícia da imprensa mesmo e por que não? Só pode citar o que está no livro? Olham como nós estamos com os nossos constructos de relações da vida social obturados. E essa oclusão/obturação que faz com que a gente diga com a maior tranqüilidade que em dois anos não dá para fazer uma dissertação.
É que esse cara aqui ( Engels) trabalhava no escritório de uma fábrica e acabava o serviço dele , ia para a rua, ele ia para os bairros operários, para as associações culturais operárias. Ele não ia lá com um roteiro de perguntas entrevistando. Ele ia lá porque fazia parte da sua vida.
Hoje como é que nós, não estou falando dos outros não, é de nós – como é que a gente se relaciona com outras camadas da população? O objeto de pesquisa tem que ter a tal da hipótese, a gente tem que fazer o tal recorte, desse mato não sai coelho!!!!
Precisamos revisar tudo isso! Sobretudo o que está acontecendo com a pesquisa da área – o padrão que está funcionando na produção científica de área nas ciências duras: onde você tem um grande projeto de pesquisa, que é controlado por grandes laboratórios transnacionais ou por meia dúzia de oligarcas da política científica tecnológica e se distribui esse projeto em 500 projetos outros que estão na mão de um professor doutor titular que só aceita orientandos que estão tratando de pequenos momentos de seu projeto. Todo artigo de física, química, biologia, tem 6 ou 7 autores, por que? É expressão do laboratório onde ele produz. O que hoje uma dissertação de mestrado nestas áreas? É um experimento que para o cara que está aqui não faz sentido nenhum e para esse aqui, faz algum sentido? O sentido real está aqui- isso é expansão elevada ao extremo do modelo de um projeto Manhattan. Aquele que marcou pela primeira vez a fusão dos grandes monopólios da indústria bélica com o poder político que deu lá na Bomba Atômica. É esse o modelo hoje.
Como é que está aparecendo isso nas ciências sociais – o professor/orientador sempre bota o nome dele no artigo do orientando, segundo essa pulverização. Eu só sei que vou orientar aquele cara que topa entrar no meu projeto. A tal da autonomia intelectual a gente sabe onde é que vai parar, né!
E você começa a construir pequenas escolinhas e as lealdades pessoais. Isto se passa nas chamadas ciências sociais e é por isso que as bolsas hoje têm 24 meses de duração para mestrado e 48 meses para doutorado. O problema é isso! O cara faz e acompanha bem um experimento celular em 24 meses ou até antes – estão vendo só o nó que esta isso?
E aí você vai dizer para esse cara aqui: rejeite essa lógica. Ele vai dizer: tudo bem, mas dá um laboratório para eu trabalhar. O que é que a gente faz?
A gente precisa discutir o seguinte: qual é o papel, qual a função social do conhecimento na nossa realidade? – é isso que está em jogo.
Quem está na universidade vai ganhar um pouco mais e vai ser chamado de doutor. Qual que é a contribuição social não para o produto interno bruto, mas para a felicidade social? Como é que se responde a isso? Vocês vêem isso na universidade brasileira? Vem a reforma universitária. O problema não está na universidade, é dessa sociedade. Que sociedade a gente quer? Aí sim você vai decidir o papel das instâncias de conhecimento, o papel da pesquisa. Vocês estão percebendo que ninguém mais quer falar da escola como espaço de transmissão de conhecimento? Sabe qual a diferença entre vocês e o Engels que construiu isso aqui quando tinha 23 anos e não foi a universidade nenhuma? Ele fez 3 ou 5 cursos como ouvinte, não tinha diploma nenhum. Fez um curso onde estudou os clássicos de seu tempo, o que é diferente!
Ele vai querer acompanhar esse fato na sua efetividade, na sua processualidade histórica. É evidente que esses dois níveis estão vinculados, através de indicações documentais ele pode obter provas históricas. Através do traço histórico, ele pode iluminar, ele pode fazer a crítica das fontes. Qualquer que seja o fato, Marx vai tratar este fato sempre em dois planos:
1º Plano: a origem do seu desenvolvimento, como este fato se põe, seu recurso a fontes e a história. Ele vai se interessar pela sua localização cronológica – quando é que ele surge, e quais são as condições de seu surgimento. Como é seu desenvolvimento. Eu estou dizendo o fato mesmo. O fato interessado a Marx é um fato chamado salário: que é aquela remuneração que o trabalhador recebe mensal,, semanal ou quinzenal porque entrega ao empregador a sua força de trabalho para ser utilizada por ele tantas horas por dia. O que é que Marx vai fazer?
Vai para a documentação produzida, vai para os economistas, para os historiadores. Mas vai também buscar na sua contemporaneidade como é que isso está se dando. Então, a primeira preocupação dele é reconstruir a gênese do desenvolvimento. Mas atenção! A gênese do desenvolvimento implica um conhecimento histórico que nem sempre dá conta da função social ou da estrutura desse fato hoje. Marx vai ter, portanto, uma preocupação sistemática, no sentido de apreender como é que esse fato se engrena com outros fatos. Qual a estrutura da sua facticidade. Marx está percorrendo os clássicos e está sacando que o salário começa a ser sistematizado no exército romano – lá em César – surge ali. Essa explicação do salário é a explicação de sua gênese, ela dá conta de que o salário na sociedade - todos sabem qual é o objeto de Marx, ele não está estudando uma sociedade qualquer.
Eu entendo o salário hoje, a sua gênese histórica? Não.Troquem esse fato. Troquem-no por outro. Por dinheiro - porque se Marx leva o conhecimento do surgimento desta coisa aqui, lá na Ásia Menor, no século II a.C., ele vai sacar que parte da economia da polis tem uma circulação simples, de mercadoria na polis. Ele vai acompanhar isso lá até o fim da antiguidade e vai observar que isso aqui é meio de troca – os fornecedores vêem o dinheiro como meio de troca, quando se generaliza a circulação mercantil/de marcadoria que é anterior ao capitalismo, não tem nada a ver com o capitalismo – precede o capitalismo. Eu consigo entender o dinheiro na sociedade burguesa. Na sociedade burguesa ele é meio de troca, não há dúvida nenhuma. Acho que não conheço as contas bancárias e menos ainda as origens familiares, mas digo para vocês todos que dinheiro é meio de troca. Para o nosso Antonio Hemírio Votarantin – o dinheiro é meio de troca? É também, quando ele vai lá jantar no Fasano – é meio de troca. Agora, aquele que a Votoran – marca de dinheiro que todo dia põe na mão dos seus assalariados, aquele não é meio de troca não – é outra coisa. Ele vê dinheiro como capital. Então não me adianta estudar a gênese, eu tinha que estudar a sua funcionalidade hoje.
É isso que o Marx vai fazer com todo o fato, chame salário, chame dinheiro, chame capital. Tudo isso aparece como fato.
O que vai recomendar o nosso amigo Durkheim – tem que estudar os fatos sociais, como se eles fossem coisas. Estudá-los como se, ele afirma que são coisas. Marx vai dizer – o que eu tenho que fazer é tirar qualquer caráter de coisidade deste fato.
Por isso, nessa elaboração, Marx vai buscar na vinculação daquilo que parece um fato, naquilo que se mostra como fato a processos. Marx tomará essas evidências factuais como aparência de processos. De processos ou de processo – ele vai buscar que processo ou processos constituem a estrutura disso que aparecem como fatos. Como é possível fazer isso? Esse caminho se faz através do que?
Um recurso intelectivo é a abstração: Marx dizia que esse recurso seria indispensável na teoria social a que ele chama de movimento histórico-social. Como é que o cientista trata da natureza, ele isola o fato e o decompõe – seja através de agentes químicos, seja através de recursos instrumentais, na célula, na lâmina, no microscópio. Ma eu não posso fazer isso com a sociedade. Eu só posso substituir pelos instrumentos – como instrumento intelectivo – eu abstraio desse fato, da sua naturalidade, da sua positividade, da coisidade – eu opero cá – do recurso intelectivo.
A abstração é o recurso intelectivo mental na análise teórico-social. Identifico processo ou processos pelos quais movimentos, colisões se expressam aqui. Mas esse processo ou processos não estão perdidos no espaço. Na pesquisa, na caça, por via da abstração, eu localizo outros processos, que por sua vez se expressam em outros fatos. Eu chego aqui, tenho que relacioná-lo a este. O que Marx está fazendo? Que caminho é esse?
Marx está partindo de um dado empírico e está retornando a ele, mas quando retorna a esse dado empírico, não sofre modificação? Isso aqui é um movimento ideal, movimento intelectual, não é um movimento prático-operativo. Quando Marx retorna a ele, o que obteve?
Atenção! Pela via da abstração, Marx obteve ao longo disso a identificação de traço constitutivo pertinentes de um fato- daqui aparece como um fato. Ele obtém crescentes determinações – o que ele está perseguindo aqui é todo sistema o sistema de conexões que liga o conjunto de processos para o interior intelectual, estes e outros fatos aparecem. Na verdade, Marx ao partir de um dado imediato ao abstrato, a determinação das suas mediações que rompem com o traço imediato em que esse dado se aproximava. Quando Marx volta a esse fato, na sua evidência empírica, não há mudança nenhuma. Mas Marx, ele pode descobrir aquilo que ela imediatamente revela e oculta. Vou dar um exemplo:
Sou eu um acadêmico. Eu pego essa cadeira, eu manipulo essa cadeira, ponho ela aqui, ali , pra cá, pra lá – eu conheço, eu sei do que ela é constituída. Eu a uso todo dia, nós a usamos todo dia. Esta cadeira é para mim um dado empírico. Eu a uso, a movimento. A cadeira é algo concreto. Olha a minha semântica – a cadeira – se eu passo essa cadeira para cá – você sabe exatamente o que seu estou querendo até porque a palavra cadeira não está no espaço. Ela está aqui no contexto, até que eu digo, afasta esta cadeira porque o sol está pegando. Você conhece.
Atenção! O que é teoria lá? A reprodução ideal do movimento real do objeto. O que eu vou conhecer desta cadeira? Primeira coisa que eu tenho que fazer é trabalhar com a forma dela. Faço isso para extrair o que tinha dela. A mesma coisa se eu dissesse, isso aqui não é uma cadeira. Cadeira é a que eu tenho lá em casa, onde eu descanso depois de meu dia de trabalho. Essa cadeira que aqui está não é a cadeira em que eu espero o meu dentista. E também não é a cadeira onde se reúne o Antonio Hermírio com o conselho de administração de sua empresa.
Que cadeira é essa? Ela tem essa forma porquê? Essa cadeira está numa sala de aula, por isso que ela tem essa prancha. Essa cadeira não está numa sala de aula qualquer, é a cadeira onde eu estudo, do colégio, da faculdade. A que eu sentava no colégio onde estudei estava pressa no chão era uma fileira de cadeira. Aqui não. Elas estão soltas num espaço pedagógico que pode ser movida. Só o fato de ela estar solta, mostra que na minha escola a cadeira estava fixa num lugar e que o aluno não se movia. A cadeira já sinaliza que tipo de relação pedagógica já se passa aqui. O estilo dessa, podem ir a qualquer universidade latino-americana e quando tem equipamento dos últimos 20 anos – o seu estilo é a ausência de estilo – é a produção em massa da obra do capital. Como é que essa cadeira chegou aqui?
Tomemos essa distinção. A doutora Maura Pardini (reitora da PUC) foi ali na esquina e comprou 6 dúzias de cadeiras? A compra dessa cadeira remete ao complicado processo de circulação de mercadorias. Mesmo uma instituição como essa, por licitação, isso aqui tem um Conselho Curador, tem uma divisão de compras. Isso aqui foi paga imediatamente? Foi aí um circuito bancário financeiro? Essa cadeira foi produzida pelo cara ali embaixo, que tem uma oficina? Não. Essa cadeira leva uma madeira compensada, não é uma madeira que implica uma indústria minimamente sofisticada. Ela está revestida por essa lâmina de fórmica, é um produto de resina de petróleo que tanto implica a petroquímica, vocês conhecem pequenas capitais operando na petroquímica na exploração de petróleo? Ela tem uma estrutura tubolar, esta pode ser feita pela pequena metalurgia. Vocês estão vendo que estou tratando do trabalho. Eu estou tratando dos grupos econômicos que entraram na confecção disso. Para produzir essa lâmina eu tenho uma sofisticada divisão sócio-técnica do trabalho. Para produzir essa lâmina, eu produzo no Brasil, mas eu pago royltes por ela. Isso aqui é um produto patenteado. Mas essa madeira agregada que está aí é produto de transformação de matéria-prima, de matéria-bruta, diria Marx. Provavelmente tem madeira aí, ou da região norte ou da região sul. Se for da região norte, envolve um tipo de trabalho bem diferente da região sul. Eu estou me abstraindo da cadeira, não é? Aquele meu dado bruto está me levando a uma série de processos.
Agora, eu tenho que procurar saber efetivamente quem produz essa lâmina, como, qual é a divisão de trabalho, qual é a participação de capital estrangeiro, se é patenteado ou não. A divisão do trabalho onde se produz, quem é que monta essa cadeira, como ela chegou aqui, através de que meios de transporte... Depois que eu faço tudo isso, que eu posso me abstrair do dado bruto dessa cadeira, quando eu volto e a olho, a cadeira está aí, nada foi modificado, mas o que eu descubro nela? O que eu refiz intelectivamente? Refiz o processo dessa cadeira. Agora que eu apreendi os elementos que são constitutivos desta cadeira, não da cadeira, não de uma cadeira qualquer, estão inscritos nela, mas eu só posso percebê-los depois desse monumental esforço e é um monumental esforço mesmo!
Vamos lembrar lá quando eu dizia que o pesquisador tem que ser culto. Eu fiz aqui uma afirmação que para vocês parecia brincadeira. Isso é próprio da ausência de estilo – o estilo dessa cadeira é não ter estilo. Essa cadeira é própria dos anos pós- 60 onde o artesanato, o pequeno artesanato praticamente desapareceu na produção desse tipo de bem, até pelo seu consumo de massa. Isso aqui é um designe absolutamente internacional, já dei aula na América Latina e todas as cadeiras são iguais.
Quero finalizar - é o seguinte: Eu volto para essa cadeira, do mesmo jeito, ela não se moveu. Mas eu posso extrair dela aquelas determinações que à primeira vista, que imediatamente eu não localizava. Agora, é claro, essa viagem não é uma viagem delirante, ela é comprovada. Posso comprovar que concorrem aí distintos processos de trabalho, distintas divisões sociais de trabalho, distintas tecnologias. Eu volto e olho essa cadeira, ela continua se apresentando do mesmo jeito que ela se apresentava antes. Ela está aí. Mas descobri o processo pelo qual ela foi constituída. Eu re-produzi cá na minha cabeça – o movimento dela, eu tenho o conhecimento teórico dela. Esse conhecimento me permitiu saltar do seu imediato/continua aí, eu vou continuar usando-a do mesmo jeito, mas eu agora posso compreendê-la num circuito de relações. Essa cadeira tornou-me concreta. Esse meu caminho permitiu-me re-construir, restituir, re-produzir a concreção que estava inscrita nela. Eu só a apreendo por esse trabalho investigativo. Marx chamará o seu método de elevação do abstrato ao concreto. Como é que Marx pensa o concreto? O concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações.
Essa cadeira se me mostra concretamente. É claro, que essa viagem não termina aqui. Porque foram aparecendo novos processos, novos fatos que o pensamento vai continuar até incorporá-los. Alguns chamarão o método de Marx – Método de sucessivas aproximações ao objeto. Lukács chamará esse método de histórico sistemático. Não importa o nome que vocês dêem, o que importa é que não vai se definir a cadeira, vai se determiná-la cada vez mais. É o que está lá na leitura de O Capital – Marx diz – a primeira determinação do capital, na medida em que você avança na leitura, novas determinações vão surgindo. Por que essas determinações vão surgindo? Por que pesquisamos a totalidade concreta? Tem máxima complexidade aí? Não. Há máxima determinação categorial. Tanto mais rico é o processo, maior é a riqueza de suas determinações que são caçadas, procuradas, pesquisadas pela razão teórica.
Dá para entender o que é a re-produção ideal do movimento do real?
É claro que quando eu vou expor, eu já tenho a reprodução do objeto. Portanto, do ponto de vista formal, o método de exposição não é o método da investigação.
Estou olhando para a cara de vocês, parece que estou falando grego, agora imaginem fazer isso na ordem do capital, o que Marx fez. Cada determinação dessa, cada traço constitutivo, é uma categoria. A categoria não é inventada pelo sujeito. Na ótica de Marx: mais-valia, ele não inventou isso, é uma determinação da produção de mercadorias sob o comando do capital. O valor é um traço constitutivo da vida social. As categorias para Marx não são apenas categorias reflexivas, constituídas intelectivamente.
Marx dirá – as formas do ser são expressões do ser, é isso que Marx quer dizer – os traços constitutivos. Onde é que estão as três leis da dialética? Não se preocupem com isso. O que Marx diz á a análise concreta de situações concretas. O nome que vocês vão dar a isso aqui não importa. Vocês notaram que eu não falei nenhuma vez aqui do famoso processo dialético? Categorias têm essas determinações. Portanto, não é o sujeito que as põem, ele as extrai do movimento do objeto.
Categorias não são palavras através das quais os sujeitos de pesquisa pretendem nominar as características do objeto. Elas são formas de ser. A riqueza categorial da obra de Marx não é resultado da brilhante inteligência de Marx. É resultado da natureza do seu objeto. Trata-se de um objeto rico e, portanto, que dispõe de determinações e traços constitutivos dada a sua complexidade. Quais são as categorias as quais Marx trabalha?
Totalidade, mediação, contradição – as categorias que Marx trabalha, são aquelas categorias constitutivas do movimento do capital, que ele apreende. Essa discussão real/discussão formal: mais-valia, valor, valor de uso, valor de troca – ele não inventou isso. Isso está dado na vida social. Ele extraiu. Máxima fidelidade do sujeito ao objeto. Marx não montou um sistema categorial para explicar a realidade. Ele extraiu da realidade essas categorias, que ocorrem intelectivamente, são ontológicas – suas categorias não são lógicas. Não é um modelo lógico. Não é um paradigma para explicar a realidade.
É através da pesquisa – trazer na consciência teórica o movimento dessa realidade. A lógica desse objeto. Ninguém melhor que Lênin formulou o falso problema epistemológico da obra de Marx. Em 1916, estudando a grande lógica de Hegel, no seu exílio suíço anotou: Marx não construiu uma lógica, Marx deu-nos a lógica do capital.
O que a obra de Marx nos faz é re- construir, ao nível da consciência teórica a lógica do capital, o movimento do capital. É isso que ele fez.
Esse é o suposto para compreender a vida social – isso não é a vida social. Isso não é a compreensão da vida social - o suposto para compreender a vida social, as suas descrições, as suas objetivações. Nenhum pesquisador marxista tem que ser um economista. Mas, todo e qualquer pesquisador tem que ter claro a noção da economia política do capitalismo no momento em que ele está tratando do seu objeto. Isso tem que ficar muito claro.
O assistente social, o psicólogo, o historiador, o sociólogo, o educador, o crítico literário – têm que conhecer como é que se produz hoje e como é que se constitui a mais-valia, o valor e assim vai. Se ele não souber isso, não vai conseguir operar minimamente nenhum conhecimento real da sociedade contemporânea.
A economia política não é uma disciplina como outra, mais exatamente, a crítica marxiana de economia política que se alimenta de história, esta crítica, é a base para qualquer conhecimento real efetivo, não epidérmico, não superficial da ordem burguesa em qualquer um dos seus estágios.
Este é o primado ontológico da economia. Se você conhecer a crítica da economia política na sociedade contemporânea, você seguramente não vai resolver, por esse conhecimento, nenhuma das questões específicas da sua pesquisa. Mas se você não conhece isso, seguramente a sua pesquisa estará mal conduzida. Isso para quem se reclama legatário dessa tradição. É claro que um pensador de abstração durkheimiana, economia é coisa para o economista, história para o historiador.
Nessa tradição aqui, se você não sabe como é que se produz a riqueza social você não saberá nada!

São Paulo, 08 de Agosto de 2005.

Transcrição: CRISTIANE CARLA KONNO

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